ATENÇÃO
Este texto contém: Sangue,
humor malicioso, linguagem imprópria, violência leve e temas sugestivos. Não é
aconselhável para crianças, homens e mulheres com menos de 40 anos.
Aos
43 anos, 11 meses e 25 dias de vida, ainda não
decidi o que mais me amedronta: a consulta com o ginecologista ou com o dentista.
Na verdade, nunca entendi porque um ser humano decide estudar tantos anos para
se formar nessas duas profissões. Os dois lidam com buracos negros, completos
de cheiros e viscosidades. Alguns, mais holísticos, tentam decorar os consultórios
para que se tornem mais confortáveis, na minha opnião, em vão. Nada neste mundo
– talvez umas doses de morfina – poderia minimizar a desconfortavél espera e
certeza de que seremos cutucadas, exploradas e estudadas minuciosamente em prol
da ciência.
Então, após anos sem ginecologista “da família”, lá fui eu conhecer
o obstetra da colega de trabalho que jurou este valer a pena.
O consultório ajeitadinho, sala de espera estilo sala de
estar, posters de mulheres grávidas rômanticos – algo que nunca experimentei – almofadinhas de florzinhas. Uma enfermeira mais ou menos da minha idade me
atende e me pesa, faz perguntas e conta piadas. Me chama de “young lady” (moça
jovem), e me conquista na última pergunta que ela mesma responde: “Você bebe?
Claro que sim, divorciada com filha adolescente, tenho certeza que bebe”. Marisol
então me contou que era divorciada e tinha uma filha de 15 anos. Que a filha
era louca (= aborrecente) e quando queria contar alguma estória de arrepiar os
cabelos, servia um copo de vinho para a mãe. “É mais fácil assimilar a
informação e não reagir tão instintivamente – tipo esgoelar a criança”, ela me
disse. Taí, pensei: sou normal. Me apaixonei por aquela mulher naquele
instante.
-
“Young lady” - disse minha mais nova melhor amiga - tire a
roupa e vista o aventalzinho – que, cá entre nós, é apenas uma proteção
psicólogica – o doutor irá te ver em 5 minutos.
5 minutos… 5 minutos…
5 minutos……. 258,974,358,459 minutos de espera. Teto branco. Sala pequena. Ar
condicionado no máximo. Bico do peito doendo. Poster de uma grande vagina com
um grande orifício cheio de nomenclaturas. Há de se educar o público. Começo a
rir sozinha. Provavelmente esta deve ser a visita número 41a da minha vida.
Relaxa. Respira. Pensa que é normal. Faz parte da vida, assim é, 500 bilhões de
vaginas no mundo passam por isso. 5 minutos, 5 minutos, 5 minutos…
E entra na sala um rapaz jovem, nos seus 34 anos. Forte,
bonito, simpático e engraçado. “O” ginecologista que estive esperando por toda
vida! Fazendo muitas perguntas, muitas perguntas. E eu dando muitas respostas,
muitas respostas. Até a fatal pergunta:
-
Você tem uma vida sexual ativa?
Abaixo a cabeça e com lágrimas nos olhos respondo:
-
Dotô, não, dotô! Tá difícil! Você conhece algum homen maduro,
tranquilo, financeiramente estável, com coragem de amar?
Dotô ri e aconselha:
-
“Young lady” (me apaixonei!), bom saber pois o tratamento de
reposição hormonal será diferente.
Dotô então chama Marisol, e pede pr’eu deitar. Faz o exame de
seio enquanto conversa casualmente. Dotô faz prescrição para um mamograma e
pede para então relaxar: “Tente relaxar as pernas, será rápido”. E aí o
desencanto total, ele e o espéculo vaginal – que nunca será meu amigo –
inspecionam as partes baixas de uma forma tão científica. A conversa casual
continua, tipo assim, estamos tomando um cafézinho na padaria da esquina. Eu
conto piada e dou risada, pois quando fico nervosa é isso que faço.
-
Ha, ha, ha. Acabou?
-
Não, amor, agora vou cutucar teu útero 360 graus, por dentro
e por fora: Dói aqui?
Dotô, doer dói, né? - você esta precionando tudo, pqp! - Digo
que não.
-
E aqui?
-
Dói não.
-
E deste lado?
-
Dói não – segurando o ar.
-
Beleza então, vamos fazer um ultrasom para ter certeza que
não há nenhum cisto.
-
Hum…dotô! Não te amo mais!
Dotô bunitão então me manda atravessar o corredor do
consultório para a sala de ultrasom. Encontro um vendedor de rémedios no meio
do caminho, de terno e gravata, eu de aventalzinho, calcinha e sutiã embaixo do
braço. Logo penso que deste jeito poderia até correr uma maratona! Quem se
importa? Nua, de aventalzinho, trouxa embaixo do braço. 13 milhas. Simbora
vamos!
O moço do ultrasom, nem tão forte ou boa pinta como o dotô,
faz uma graça. Todos são muito simpáticos, alegres, engraçados. O que me faz
pensar que a primeira hora de segunda feira é o melhor horário para visitar o
ginecologista.
Então ele vem com o gel gelado e passa pela minha barriga.
Lembrei da primeira vez que vi a Marina no ultrasom 17 anos
atrás. Escutei o coração, me mostraram os pedaços do corpinho dela se formando,
que pareciam manchas no meu ventre. Que rômantico, pensei! Me senti feliz por
alguns segundos por todas as mães na sala de espera que veriam seus milagres dentro
daquela sala. Mas o clima rapidamente mudou. Logo fui convidada a fazer uma
ultrassonografia transvaginal.
Ivagina a minha cara!
-
Mas, dotô, é realmente necessário este procedimento? Já
despiu, já apertou, já penetrou, já apalpou… Me livra dessa vai? Eu nem te amo
mais, foi um engano, me apaixonei sem saber! Você tem tantas outras! Me
esquece! Finge que nunca me conheceu, que não tivemos nada, que não sente nada
por mim…
-
Não,
“young lady”, este é um passo necessário em nossas vidas, no nosso
relacionamento – ele insiste.
-
Eu
te odeio, jovem rapaz! Eu te odeio! Esquece de mim! Me deixa ir embora!
-
Não
vai doer nada, será rápido, você nem vai sentir.
-
Tinha
que ser homem mesmo pra dizer algo assim! Vocês, insensatos que são!
-
Vai
amiga, usaremos proteção e muito gel gelado. Rapidinho…
Silêncio. Ar
parado. Desapego: Om, om, om, omomomomomomomomomomomomomom.
-
Ha,
ha, ha! Viu? Não foi nada! Esta tudo beleza, sem cistos, sem problemas!
-
Hum…
-
Volte
em 2 semanas para avaliarmos os resultados.
-
Hum…
-
Pode
se vestir que a enfermeira te levará até a porta.
-
Hum…
-
Senhora
Andrea?
-
Hum…
-
Serão
$50.00 dólares pela consulta com o seguro de saúde.
-
Hum…