sexta-feira, abril 14, 2006

Memória

Sempre quiz ter uma boa memória, mas nunca arranjei tempo para pensar no assunto. Sou do tipo de pessoa que precisa escrever e repetir para si mesma 20 vezes a mesma coisa até conseguir memorizar algo. O estimulo visual e a leitura me ajudam, mas lembrar mesmo das coisas só repetindo, repetindo, repetindo, indo, indo, indo...
O fato disto ser um fato da maneira na qual meu cérebro funciona nunca me satisfez muito, pois a quantidade de tempo que perco para fazer associações decentes e produtivas das coisas em geral me custa uma atenção e tempo imemoráveis. As vezes me custa tanto esforço que acabo mesmo esquecendo do que estava fazendo, decorando, entendendo.
Quantas vezes já não sentei e decidi começar uma dieta, delineei meu plano de ataque, fiz lista das comidas proibidas, cardápio semanal, me preparei psicologicamente para no dia seguinte acordar e fazer uma torrada com nutela, almoçar macarrão com molho Alfredo e só na hora do jantar lembrar que estava de dieta? Fora de brincadeira, o negócio é sério.
Dizem por aí que quando existe algo importante na nossa vida a gente não esquece e se esquece é porque existe algum nhe-nhe-nhe inconsciente que estamos tentando evitar e aquela ladainha toda de psicoanálise que chega até a cansar a mais simples das mentes. Mas este não é o meu caso. Desde o ano passado, quando resolvi simplificar a minha vida, resolvi simplificar a minha mente também. É mais complicado simplificar a mente do que limpar uma gaveta e se livrar de objetos, roupas e tipo de coisas em geral que ‘quem sabe um dia vou precisar’. Comecei então a entrar no meu cérebro e mover os movéis velhos, tirar o pó, re-alinhar a posição das perspectivas, crenças e expectativas que vivi até hoje.
Simplificar para se tornar mais eficiente. Jogar no lixo esta emoção não mais relevante em minha vida, esta crença que veio sabe lá de onde, esta expectativa irreal das coisas e pessoas, e assim por diante. Um processo longo e detalhado que requere atenção e boa memória, virtudes que não são lá meu ponto forte.
Memória. A minha é tão fraquinha que cheguei até a esquecer o dia do meu próprio aniversário. Já esqueci de colocar absorventes, esqueço do aniversário de todo mundo, o telefone da minha casa, o nome do meu marido e filha, o meu sobrenome, a minha idade (de verdade!) esquecer de ir no supermercado quando não tem nada em casa, de fazer aquele telefonema importante, esquecer de comer, esquecer da lista de coisas pra fazer, esquecer o telefone celular em tudo quanto é lugar, a chave de casa na casa dos outros, de pagar a conta que venceu ontem, de colocar gasolina no carro, esquecer o caminho de casa e assim vai. Nenhum destes esquecimentos é caso de vida ou morte, mas quando começo a esquecer tantas coisas triviais do meu dia a dia dá uma irritação profunda, uma sensação de incompetência, uma culpa arrastada, além de viver em deficit comigo mesma, pois estou sempre fazendo hoje o que deveria ter feito ontem – não por preguiça ou falta de vontade, mas por puro esquecimento.
Então resolvi melhorar a minha memória. Um belo dia me defrontei com um “Kit de Memória”. Um livrinho colorido, com dois decks de baralhos coloridos e dois mapas. Uma gracinha, por um preço ótimo, escrito pelo campeão de memória mundial nos últimos 10 anos, um tal de Dominic O’Brien que era um Zé ninguém assim como eu que resolveu exercitar o cérebro. Se ele conseguiu eu também consigo.
Todos os meus problemas estarão resolvidos assim que terminar o tal do livrinho tão coloridinho, pensei. Sonhei acordada com a liberdade de encontrar meu cérebro tão treinado, alinhado e calibrado. Ah! Suspirei ainda sonhando com uma vida mais simples, com tempo de sobra para poder dar uma volta no parque, andar de bicicleta (aquela que comprei o ano passado e já tinha esquecido que tinha), ler, decorar o nome dos 206 ossos do corpo com facilidade e respirar o ar leve de ter uma memória maravilhosa. Que futuro promissor me espera!
E não é que esqueci que tinha comprado o tal do livrinho, aquele tão maravilhoso que vai mudar a minha vida? Tinha colocado ele junto com uns papéis que um dia, quem sabe, eu vou ler e lá ficou. Quatro meses se passaram quando me encontrei brigando com os novecentos trilhões de músculos que não aprendi muito bem na semana passada, e o bendito livrinho caiu nas minhas mãos.
Se vocês estão esperando eu contar que li o livro, vi o filme e minha vida mudou, me desculpem. Estou na primeira parte do livro e já pulei o primeiro exercício por que não tive tempo. Ou esqueci, não sei bem.
São 29 anos de (ops! Eu disse 29? Desculpem, me esqueci, já fiz 35!) um cérebro destreinado e este será um processo longo e demorado, mas acredito que bem viável e possível. Continuo sonhando com a insustentável leveza de um cérebro extraordinário que vai fazer da minha vida uma vida mais eficiente. E no meio tempo, só queria que vocês soubessem que acredito que se todos nós treinassemos a nossa memória, o nosso cérebro, o mundo seria um lugar mais fácil de se viver. Mas aí, também tem a implicação da disciplina, e pra isto vale outra crônica e um pouco de psicoanálise pra se chegar a outras conclusões que não tem nada a ver com a memória diretamente mais indiretamente tem tudo a ver. E isto tudo porque estou em processo de simplifição da minha vida...
Acho que por hora, enquanto eu me lembrar, continuarei com meu plano de simplificar meu dia a dia me desfazendo de tudo aquilo que não usei no ano passado. Menos a minha memória!

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